O Dilema dos Jovens (Parte 1)
Purushatraya Swami

Já faz um tempinho que escrevi o ensaio “Manifesto Alternativo”. O presente ensaio segue essa mesma linha. Acho importante repisar esse assunto, pois tenho bem claro para mim que o caminho alternativo é a melhor opção para quem quer dar um sentido espiritual à vida.

Muitas idéias que vou expor nesse ensaio são experiências que eu próprio vivi ou convivi. Afinal de contas, já fui jovem e tive de passar por muitos dilemas próprios da juventude. Tenho também entrevistado muitos jovens para ficar bem atualizado sobre a mentalidade do presente. Portanto, considero que este trabalho esteja fornecendo dados e conclusões atualizadas.

No trabalho de orientação de jovens, cada caso é um caso. Cada caso deve ser avaliado tendo-se em vista os fatores que definem a situação de vida do jovem - sua personalidade, meio social em que foi criado, situação familiar, aptidões, etc. Alguns têm o perfil que mostra claramente que são talhados a se enquadrarem no sistema. Outros, entretanto, têm uma natureza pessoal que se enquadra no caminho alternativo. Minhas palavras aqui nesse ensaio destinam especialmente a estes.

Alguns jovens aproximam-se do modelo alternativo devido sua incapacidade intelectual, carência moral e inaptidão profissional para se ajustar ao sistema. Aproximam-se de um modelo alternativo por falta total de opções, mas não possuem a mentalidade adequada nem entendem com clareza as propostas alternativas. A situação deles é problemática e exige outro tipo de estrutura educacional especializada. Não é exatamente para esses que esse ensaio se destina.

Proposta

A proposta principal desse ensaio é oferecer uma diretriz para jovens de boa índole que não são seduzidos pelo modelo convencional estabelecido pelo sistema e estão abertos para adotarem a opção alternativa de vida. Considero útil também para os pais desses jovens. Muitas vezes o jovem está num dilema sobre que rumo dar em sua vida. Que esse ensaio os ajude a definir o caminho a seguir.

Em nossa função em Goura Vrindávana, estamos trabalhando com jovens que têm disposição e vocação alternativa, e possuem boa base de educação e estrutura moral e psíquica. Esses estão sendo preparados para terem uma postura digna e produtiva dentro da sociedade e estão sendo treinados para serem os futuros líderes.

“Você decide”

Volta e meia sou abordado por jovens que estão vivendo seus dilemas. Uns dizem: “Não sei se vou ou não para a faculdade... Qual é a sua opinião?” Outros dizem: “Não sei se tranco ou não meu curso... O que você acha?” E ainda há outros que dizem assim: “Não sei se abandono ou não meu curso... O que você sugere?” Em todos os casos, minha resposta é sempre a mesma: “Você é que decide”. Após ter decidido, aí então posso dar minha orientação. Não posso decidir por outra pessoa, pois cada um tem sua história pessoal. No futuro, se as coisas não dão certo, é muito fácil colocar a culpa nos outros. Dizer que foi induzido a tomar uma decisão... Coisas assim... Se, no entanto, o jovem escolhe o caminho alternativo, pode contar comigo para orientação.

Acomodação, por que?

Teoricamente, para um devoto, não deveria ser difícil adotar o modelo alternativo. A cultura védica, que é o nosso modelo, é eminentemente agrária por natureza. O próprio Senhor Krishna criou-Se num ambiente rural, com Seus pés de lótus no chão de terra. Srila Prabhupada deu total ênfase às comunidades rurais. “Vida simples e pensamentos elevados” foi seu lema preferido.

Sinceramente, não entendo porque tão poucos devotos dispõem-se a abraçar o caminho alternativo, sobretudo porque a vida urbana nas cidades grandes brasileiras é caótica, estressante, insalubre e perigosa. Vive-se numa atmosfera de medo e ansiedade. Um trânsito insuportável... E ainda por cima, é o próprio reino de Maya. É lá onde estão concentrados a degradação, a imoralidade, as drogas e a bandidagem. Educar uma criança nesse meio é arriscado. Por mais cuidados que se tenha, a criança poderá absorver influências perversas que se alojarão em sua personalidade para o resto da vida.

A única explicação que vejo para aceitar passivamente essa situação tão instável e degradante é que, infelizmente, a mentalidade consumista das massas entrou a mente de muitos devotos. Esse consumismo gera uma acomodação crônica. A pessoa fica condicionada por certas comodidades e, mesmo reclamando e detestando, fica presa ao sistema.

Srila Prabhupada mostrou, com seu exemplo pessoal, o modelo de uma pessoa flexível e não acomodada. Deveríamos ser mais revolucionários, mais idealistas, como Srila Prabhupada. Mais estritos e confiantes nos ideais que ele estabeleceu. Um devoto tem tudo para ter uma mente mais flexível e versátil. O próprio sadhana produz naturalmente isso. A maioria das pessoas que vivem aglomeradas nas concentrações urbanas não tem praticamente outra opção de vida. Estão condenadas àquele modelo de vida. Mas, graças a Srila Prabhupada, nós, devotos, temos opção. Temos um perfeito modelo de vida e uma poderosa filosofia. O que está faltando, então? Só falta a disposição e a determinação para se colocar isso em prática em nossa vida. Por que não aceitar esse risco, com confiança e pé no chão? Cidades são boas para se pregar, não para se viver!

Ajustado à sociedade

O modelo convencional do sistema funciona, de maneira geral, no seguinte cronograma: Segundo grau—vestibular—faculdade—especialização—emprego—trinta e cinco anos de trabalho—aposentadoria e, por fim— o fim... Para quem está ajustado a esse modelo, o sistema oferece certas garantias, como: estabilidade, créditos financeiros, férias, planos de saúde, aposentadoria, etc. A despeito dessas facilidades, existem muitos problemas, inseguranças e incertezas. O que mais escutamos é um mar de lamentações. O pessoal não pára de se queixar da vida que leva, das condições das cidades, dos impostos, dos preços, do trafego, da insegurança, dos salários, etc. A insatisfação é geral.

A maioria chega à terceira idade num estado lastimável: insatisfeitos, inadaptados à vida fora da rotina do trabalho, improdutivos, fora de sintonia com o tempo presente, vazios, sem perspectivas, sem iniciativas, etc. Um terreno fértil para neuroses. E para completar o quadro, com a saúde arruinada, devido, principalmente, aos maus hábitos alimentares e outras condições insalubres. Outra causa campeã de doenças são os efeitos colaterais dos próprios medicamentos. O que acontece com freqüência é que todas as economias feitas durante toda uma vida de trabalho são escoadas para os hospitais e clínicas, num esforço desesperado para se aliviar o sofrimento e tentar estender um pouquinho mais a permanência nesse mundo caótico.

É claro que não é todo mundo assim. Mesmo na vida urbana convencional, vamos encontrar algumas pessoas que conseguem sobreviver à vida inóspita das grandes metrópoles. Esses que, não obstante às condições urbanas, se mantêm saudáveis e não caem na mediocridade, são, no entanto, cada vez mais raros.

Os jovens são, em geral, forçados a ajustar-se ao modelo do sistema, na grande maioria dos casos, por total falta de opção. A família exerce uma grande pressão para isso. Muitas vezes, para adaptarem-se à sociedade, os desajustados e rebeldes têm que recorrer à psicanálise. Quanto a isso, um famoso psiquiatra e autor inglês, Ronald Laing, afirmou, a mais de meio século atrás, num importante congresso de psicologia: “Adaptação? Adaptação a que? A essa sociedade? A esse mundo louco?” Foram palavras duras, pouco compreendidas na época, mas que são mais do que óbvias hoje em dia. Outro grande pensador, o psicólogo austríaco Victor Frankl, escreveu: “Geralmente as pessoas desconhecem o que efetivamente querem. Daí a tendência de querer fazer apenas aquilo que os outros fazem ou fazer apenas aquilo que os outros querem que ela faça.”

Em geral, a família não aceita a opção alternativa do jovem. Muitos pais não conseguem acompanhar as transformações que ocorrem nos filhos e, por estarem presos a modelos estereotipados, opõem-se, muitas vezes, de forma bastante improdutiva. Na difícil fase de transição, quando o jovem passa por experiências interiores bastante intensas e tem que decidir sobre seu futuro, ele tem, muitas vezes, que se defrontar com muita oposição dentro de sua própria casa. No entanto, quando há compreensão e boa vontade, tudo se ajusta com naturalidade e os relacionamentos ficam enriquecidos.

Sem “pendurar as chuteiras”

A todo o momento, encontro exemplos que reforçam minha visão alternativa da vida. Recentemente, encontrei no centro da cidade do Rio, um amigo de infância, que não via há pelo menos trinta anos. Sempre o tive como uma pessoa inteligente, mas já não era a pessoa jovial e alegre que conhecera. Disse-me que estava em vias de aposentar-se como advogado, depois de toda uma vida de trabalho burocrático numa repartição pública. De minha parte, falei sobre nosso projeto sustentável em Paraty, nossa comunidade e sobre os planos futuros. Ele então comentou: “Estou impressionado com o que você disse. Enquanto estou me aposentando e não tenho nenhuma perspectiva de vida daqui para frente, você, com praticamente mesma idade que eu, está cheio de entusiasmo, de realizações e de planos para o futuro.” Incidentes como esse, fortalecem nossa convicção na opção alternativa de vida.

Esse meu amigo é protótipo da pessoa acomodada. Falta-lhe a disposição e a flexibilidade para ajustar-se a novas situações e aceitar novos desafios e riscos. Isso não se adquire facilmente no final da vida. Deve ser cultivado desde a juventude e ao longo de toda vida.

Existe, todavia, outro tipo de pessoas que não se pode dizer que são acomodadas. São ativas e apaixonadas. São, no entanto, movidas pela paixão, ganância e luxúria. Só pensam em si e o projeto de vida é correr atrás do dinheiro, do poder e da fama. Fazem de tudo para maquiar os sinais da velhice e se passarem por mais jovens. Vivem movidos pelos apetites, tentando curtir ao máximo os supostos “prazeres da vida”. Vivem num mundo de ilusão. Não são pessoas acomodadas, mas ocupam-se em atividades que não elevam a consciência, mas, ao contrário, incham o ego. O resultado de uma vida assim é muita ansiedade e degradação.

Uma pessoa sã dedica sua vida a atividades produtivas destinadas ao auto-aperfeiçoamento e à promoção do bem-estar geral. Tais atividades produzem naturalmente felicidade e expansão da consciência. Esse é o fruto de uma vida estável e tranqüila, no modo da bondade. Para esses, a aposentadoria não faz sentido. Nunca “penduram as chuteiras”.
Continua


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