MANIFESTO ALTERNATIVO I
(Manifesto Alternativo Parte I)

Purushatraya Swami

Meus amigos, esse artigo é bastante longo. Peço a todos que tenham paciência para poder ir até o fim. Se não é possível lê-lo de uma vez, vá por partes. Mas procure lê-lo com reflexão. São idéias minhas que quero reparti-las com todos vocês. Seu “feed back” é fundamental para apurar essas idéias. Gostaria, também, de sugerir que aqueles que têm sintonia com essas idéias possam divulgar esse “Manifesto” entre outros devotos que não têm acesso à Internet.

O Dilema

Geralmente quando um jovem aceita a consciência de Krishna e torna-se um devoto, ele depara-se inevitavelmente com um dilema: como conduzirei minha vida daqui para frente? Isso é devido ao fato de que a proposta do processo da consciência de Krishna e a visão de mundo que essa filosofia oferece, foge, de certa forma, aos parâmetros normalmente aceitos pela sociedade secular moderna, o chamado “Sistema”. O estilo de vida adotado por um devoto já não pode, em muitos casos, ser considerado “normal”. Normal seria moldar-se e ajustar-se aos modelos oferecidos pelo Sistema. Deixo claro aqui que existem devotos que, de uma forma ou outra, conseguem ajustar-se ao Sistema sem prejuízo de sua prática espiritual. Em geral, já trouxeram sua bagagem profissional de sua fase anterior.

Falta de Preparo

Para um grande número de devotos, o estilo de vida adotado toma, geralmente, um formato mais “alternativo”. O devoto muitas vezes não se adapta, por várias razões, ao modelo oficial. Muitos devotos ficam atrapalhados, indecisos e inoperantes quando são obrigados a decidir o caminho a seguir para resolver seu lado prático da vida. Temos observado que um grande número não possui o preparo e aptidões necessárias para, por si só, estabelecer-se e criar seu próprio meio de subsistência. Em geral apelam para o expediente mais simples: comprar alguma bugiganga aqui, mais barato, e vender ali, mais caro. É o recurso mais simples de se fazer dinheiro. Esse expediente também é utilizado por uma massa sempre crescente de desempregados e pessoas sem qualificação profissional, que fazem proliferar os “camelódromos” nas concentrações urbanas e que constituem uma economia alternativa paralela. Isso pode funcionar na situação de emergência. Mas, a meu ver, não deveria ser considerada como a única saída. Existem muitas outras possibilidades, muito mais adequadas e compatíveis para aqueles que se propõem a serem bhakti-yogis. Esse artigo destina-se àqueles que estão indecisos quanto ao que fazer no futuro e querem conciliar sua atividade profissional com sua vida espiritual. Também destina-se àqueles que já tem dedicação integral na missão de Srila Prabhupada e desejam ter um compromisso vitalício com a missão. Por fim, destina-se àqueles que aspiram desligar-se do Sistema e dedicar-se integralmente ao processo da consciência de Krishna, como seu caminho de auto-realização e opção de vida.

Vida Normal

A trajetória considerada “normal” para uma pessoa urbana, de classe-média, inclui, basicamente, em finalizar o segundo grau; escolher uma carreira; preparar-se para o exame vestibular; graduar-se na universidade; conseguir um emprego; especializar-se na profissão; ficar apto para competir em níveis profissionais mais exigentes dentro do mercado de trabalho; arranjar uma boa esposa ou um bom marido; constituir família, adquirir uma boa moradia; possuir um bom veículo; equipar sua casa com modernos aparelhos domésticos; dar boa educação aos filhos; ter garantias de seguros, pecúlios e planos de saúde; mostrar-se socialmente como sendo uma pessoa próspera, equilibrada, atualizada e feliz; freqüentar ambientes agradáveis e entretenimentos interessantes; aperfeiçoar o conforto doméstico; cultivar algum hobby diferenciado; pagar em dia todos os impostos e taxas; cumprir os 35/40 anos de emprego e aposentar-se; valer-se dos mais avançados recursos tecnológicos da ciência médica para contornar os inevitáveis problemas de saúde da terceira idade; fazer seu testamento e esperar passivamente sua morte. Esse é o modelo ideal, sonhado por todos, ou quase todos. Os pais, em geral, sonham ter seus filhos ajustados a esse modelo. Esse é um modelo em que as aparências contam muito. Geralmente o sistema urbano de marketing e propaganda não se cansa de mostrar pessoas felizes, completamente ajustadas a esse modelo. Criou-se esse estereotipo de “sucesso na vida”. Esse sucesso baseia-se principalmente na quantidade de desfrute sensual que a pessoa é capaz de experimentar. Do ponto de vista espiritual, esse sucesso é muito questionável, pois não é levada em consideração aquilo que temos de mais precioso, a alma. Na hora da morte, todo sucesso material será descartado e a única coisa que permanecerá será nossa consciência. Essa vida humana é exatamente a hora de trabalharmos para expandir e purificar a nossa consciência. É a hora de fazermos um “upgrade” da consciência, usando-se linguagem atual da informática.

Vida Moderna

O Sistema atua notadamente no ambiente urbano. A vida urbana tem certas coisas favoráveis, mas tem também seu lado altamente perverso. Dentre as facilidades da vida urbana destacamos: Vida social intensa, muitas oportunidades de desfrute sensual, variedades de entretenimentos, hipermercado perto de casa, shoppings sofisticados no bairro em que se vive, grandes universidades governamentais e particulares, acesso fácil à última tecnologia doméstica, Internet banda larga, TV a cabo, telefonia celular, arquiteturas arrojadas, condomínios elegantes, etc. Na vida artificial da cidade a pessoa pode comprar tudo pronto. Nos dias de hoje, muitas pessoas já perderam totalmente a noção da vida natural. A vida é totalmente artificial. Consideram, por exemplo, que “vida simples” é comprar uma lasanha congelada, já pronta, no freezer do supermercado da esquina, e esquentá-la em três minutos no forno micro-ondas! Tudo muito “simples”!, pensam elas. O novo dogma urbano é a “religião do consumo”. Os shopping centers são os grandes “templos” dessa religião do consumo. Todos os inconvenientes da vida são compensados e todo alívio para vida é obtido pela oportunidade de se vagar livremente pelas aléias refrigeradas de um super shopping da moda. A informática mudou radicalmente a cabeça das pessoas. As crianças, hoje em dia, não são como eram trinta anos atrás. Com a informática entrou em cena algo que não existia antes: o mundo da fantasia virtual. A realidade externa desse mundo é tida como inferior a esse fantástico mundo virtual. Esse sim é a realidade mais atraente e importante. As crianças e jovens não têm praticamente nenhum interesse na vida natural. Os vídeos e vídeo-games são muito mais interessantes, e horas e horas são desperdiçadas em frente dos monitores e telões, como que escravizados por um poder superior. A outra face da moeda são os inconvenientes e perigos da vida urbana. Entre os maiores perigos das cidades brasileiras no momento, a violência urbana e a degradação moral são os campeões. Falaremos disso mais adiante.

Fatores que Interferem no Sucesso

Descrevemos acima a trajetória da “vida normal” de um bom cidadão na sociedade. Mas acontece que existem muitos fatores que interferem na vida e impedem que se consiga uma vida considerada bem sucedida. Existem muitos distúrbios e problemas sérios a meio dessa trajetória, que interferem sobremaneira na vida da pessoa, trazendo muito sofrimento e toda a espécie de desequilíbrios psíquicos. O stress é o mais comum deles, assim como, ansiedades, depressões, surtos psicóticos, etc. Nesse estado, a pessoa não consegue encontrar um sentido para sua vida, não consegue suprir as necessidades básicas de seus dependentes e tornam-se um distúrbio na sociedade em que vive. São muitos os fatores que afetam negativamente a vida da pessoa. Enumeramos alguns desses problemas: o Meio social: pertencer a uma família de baixa renda; viver num ambiente com sérios problemas sócio-economicos e morais; ser carente de boa educação; ter família caótica; ter má associação na adolescência; envolver-se com drogas; alcoolismo dentro de casa; ter pais separados; ter pais despreparados para educar; não ter bons exemplos dentro de casa; o Formação acadêmica: não possuir boa base escolar; não conseguir definir a carreira profissional ou fazer uma escolha errada; ter vida acadêmica relapsa; não ter o ímpeto de enfrentar os desafios e obstáculos da formação profissional; o Vida profissional: falta de especialização; aceitar empregos que não trazem nenhuma satisfação e realização pessoal; sujeitar-se a salários baixos; contrair dívidas; desemprego; eterna competitividade no mercado de trabalho; o Vida familiar: orçamento doméstico abaixo das necessidades; não ser feliz na escolha do casamento; não ter dentro de casa alguém que apóie e ajude; casar movido exclusivamente pela atração sexual; problemas de relacionamento dentro de casa; adultério; ciúmes; alcoolismo; drogas; falta de planejamento em colocar filhos no mundo; problema com os filhos; drogas nas escolas; o Vida urbana: Uma vida totalmente artificial; muito tempo gasto e muitos inconvenientes para ir e vir ao trabalho ou locomover-se na cidade; superpopulação urbana; favelas; poluição; engarrafamentos; barulho excessivo; arruaças públicas; corrupção em todos os níveis; narcotráfico; balas perdidas; rajadas de metralhadoras; arrastão; roubos e assaltos; seqüestros; sujeira; falta d’água; degradação social; o Fatores naturais e ambientais: desastres; acidentes rodoviários, problemas sérios de saúde; tragédias; calamidades; instabilidade e distúrbios sociais e políticos; crises econômicas; o Personalidade: ter uma má orientação de caráter; imaturidade; sofrer influências malignas; grande influência de tamas e raja-guna; egocentrismo; tendência a enganar-se e passar por aquilo que não se é; temperamento explosivo; apatia; frustração, remorsos, pânicos, lamentação, dúvidas, etc.; degradação moral; pornografia; stress; ansiedades; solidão; carência e fraqueza espiritual; Todas pessoas, sem exceção, sofrem, em maior ou menor grau, a interferência de algum ou alguns fatores perversos em suas vidas. Fatores externos, descritos aqui como “Vida urbana”, são impossíveis de serem evitados para aqueles que vivem em cidades grandes. Uns são mais afetados e outros menos. Podemos observar que, hoje em dia, um número cada vez mais crescente de pessoas estão sucumbindo sob a pressão desses inconvenientes. Muitos passam do stress ao desespero total.

Violência Urbana

Nossa lista pode, certamente, tornar-se muito mais longa, se tratarmos de levantar todos os fatores que contribuem para o sofrimento e fracasso. Principalmente na vida da cidade, todas esses fatores antagônicos da vida estão sempre nos rondando. As cidades vem tornando-se, gradualmente, um lugar onde se concentram os tipos mais degradados, corruptos, delinqüentes, viciados, miseráveis e tudo que existe de pior. Os “monstros de Kali-yuga” estão convivendo no mesmo espaço físico que pessoas decentes. Para os bandidos e degenerados, quanto mais agitação e caos, melhor. Eles não estão nem um pouco preocupados com melhor qualidade de vida e vida pacífica. Nas cidades proliferam-se os piores problemas sociais. Os perigo rondam por todo o lado. Não adiantam sistemas sofisticados de alarmes, não adianta se esconder em condomínios super fechados, não adianta dirigir carros blindados, ter guarda-costas, o que seja. Os seqüestradores são super equipados. Qualquer pessoa na cidade é uma presa fácil para os bandidos. Pode ser que ainda não chegou sua vez. Mas a probabilidade de ser a próxima vítima está sempre presente. Justo no momento em que escrevia esse artigo, um brahmacari de nosso ashrama, Ghanashyama das, sofreu uma tentativa de assalto num ônibus urbano em pleno centro comercial, na via pública de um bairro de classe media, em plena luz do dia. O bandido estava sentado ao seu lado, no mesmo banco e exigiu que ele lhe passasse a carteira com dinheiro. Ele reagiu levantando-se, e foi, imediatamente, agredido por um comparsa que estava no banco de trás. Ele conseguiu escapar e saltou do ônibus em movimento, pois no momento o transito estava engarrafado. Conseguiu salvar o lakshmi de Krishna e evitou o inconveniente de ter que tirar, novamente, todos os documentos. Saiu vivo dessa, mas não pôde evitar os três pontos no supercílio e um hematoma nos lábios. Deu sorte de não ser baleado. A violência urbana é diretamente ligada às drogas. Quase não existe mais a figura do “ladrão de galinha”, roendo unha de fome, que rouba para comer. A violência gira principalmente em torno do consumo e venda das drogas, muitas vezes em conivência com a própria polícia. O pior é que não dá para confiar na polícia. Muitas vezes não sabemos quem é pior: os bandidos ou a polícia. As crianças e adolescentes são presas fáceis para a delinqüência. Violência, vícios e perversões entram livremente dentro das casas através das telas de TVs e monitores dos computadores. O caso das drogas é outro problema vital. “Adote seu filho, antes que algum traficante adote-o”, advertia há tempos os outdoors promovidos pela Secretaria de Bens Estar Social. A droga unifica todo o meio social: está presente nos meninos de rua cheirando cola e também nas orgias da alta regadas a cocaína, e outros estupefacientes. Existem muitas pessoas com bom nível econômico-social que usam drogas. Elas são os melhores clientes dos traficantes e estão diretamente implicadas e coniventes com a violência urbana. Outra praga urbana é a degradação moral dos adolescentes. Cada vez mais a pornografia e a atração pela vida degenerada atinge públicos de menos idade. Nas escolas aprende-se o be-a-ba junto com as maiores porcarias, que, em geral, tendem a ficar presas na consciência da pessoa por toda a vida. Nossas crianças, filhos de devotos, devem ser devidamente protegidas. Conheço um caso de uma filha quatorze anos de um casal devotos sérios do movimento que caiu vítima do que existe de pior numa cidade. A mocinha começou, inclusive, a roubar e prostituir-se para ter acesso às drogas. Sua mente foi completamente arrastada para o mal. Esse é o tipo de situação que ninguém pode garantir: “Dessa água não beberei”. Essas forças são praticamente incontroláveis quando estão em contato e a mente fica tremendamente atraída pelas coisas mais degradadas. As crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis a todas essas influências.

Cultura Alternativa

O que queremos aqui mostrar é existe um estereotipo de vida dentro do que chamamos de “Sistema”, ou a vida baseada no modelo social urbano vigente. Nossa intenção aqui é apresentar uma alternativa, a que chamaremos “modelo alternativo”. Nos anos setenta até princípios dos oitenta houve uma verdadeira onda alternativa, que tomou o lugar do movimento hippie dos anos sessenta. Na era hippie os jovens manifestaram uma intensa rejeição ao status quo, ao Sistema. Foi uma época psicodélica, com muita criatividade, mas, por outro lado, com muito LSD e marijuana— um movimento sem consistência ideológica. Muitos caíram num buraco sem fundo. O movimento alternativo, que se sucedeu, foi um pouco mais “light” e mais lúcido. Tinha pessoas de boa cabeça e intenções. Houve muito êxodo da cidade para o campo. Achava-se, naquela fase, que o simples fato de sair da cidade e estabelecer-se numa zona rural ou no meio natural, seria a solução de todos os problemas e ansiedades. O pessoal queria fugir dos efeitos perversos do suposto “progresso”: grandes concentrações urbanas, poluição ambiental, vida stressada, consumismo, dependência do petróleo, em suma, vida artificial. Nesse período, foram introduzidas muitas técnicas naturais, muitas delas provenientes de culturas e civilizações antigas, e muita coisa veio do Oriente. Terapias naturais, energias alternativas, agricultura orgânica, ioga, ecologia, religiões orientais, astrologia, vegetarianismo, são alguns exemplos dos diferentes aspectos da chamada cultura alternativa.

Fracasso do Modelo Alternativo

Nos anos setenta e oitenta houve uma febre, principalmente entre certos segmentos da juventude, em adotar o estilo alternativo de vida. Muitos se dirigiram para o campo e tentaram organizarem-se em comunidades. Praticamente todas essas iniciativas fracassaram. Por que? Primeiro, por problemas de relacionamentos, os conflitos de egos; e segundo, por falta de preparo. Poucos estavam preparados para se estabelecer no campo e desenvolver uma vida produtiva. A maioria retornou para a cidade e sujeitou-se novamente ao Sistema. Outros ficaram marginalizados e tornaram-se “parasitas” do Sistema, caracterizados pela figura do chamado “bicho-grilo”. Vida alternativa, na realidade, exige muito preparo. É uma ilusão pensar que o caminho alternativo é mais fácil e confortável. Levar a vida só para “curtir” é um ranço hippie, sem futuro. Minha idéia é que no caminho alternativo a pessoa deve, inclusive, estar mais preparada do que no próprio Sistema. No Sistema, a pessoa tem toda uma estrutura amparando sua vida: status social definido, previdência social, leis trabalhistas, direito de férias remuneradas, empréstimos bancários, direito a aposentadoria, curriculum vitae, etc. Por outro lado, no caminho alternativo, a pessoa depende exclusivamente de seu próprio esforço e capacidade. Exige muita fé e confiança em si. Exige paciência e determinação. Muitos tremem somente em pensar nisso.

Outras Análises da Vida no Sistema

Baseados na realidade prática do país em que vivemos, constatamos que a vida dentro do Sistema dificilmente contribui para o crescimento espiritual e expansão da consciência. Ao contrário disso, esse modelo de vida contribui mais para a acomodação e afunilamento da consciência. Primeiro o jovem tem que passar pela peneira do vestibular. Depois de quatro anos aprendendo um monte de coisas supérfluas, que na maior parte nunca serão utilizadas, ele recebe um diploma que, por si só, vale muito pouco. Para disputar o mercado de trabalho terá que se especializar. Sem especialização, as possibilidades de bons empregos são escassas. Às vezes o que acontece é que certa especialização fica muito popular, como acontece, hoje em dia, com a informática. Aí então, mesmo bem preparado, terá que disputar uma vaga entre muitos e, no final, sujeitar-se a um salário aquém do requerido. Outra opção que o sistema oferece é ser funcionário do governo, geralmente numa função burocrática. O emprego público dá, ao princípio, uma sensação de alívio e segurança, mas quando a pessoa cai na realidade vai entender que foi condenada por, pelo menos, 35 anos a se ocupar numa atividade que muitas vezes não lhe dá nenhum prazer e lhe está sugando a alma. Outros tentam algum empreendimento comercial. Outra ilusão. Dessa vez, condenando-se à ansiedade eterna do modo da paixão. A menos que a pessoa seja realmente de natureza “vaishya” e tenha recursos de capital, vai coletar somente dívidas e úlceras. A dura realidade é que apenas uma reduzida minoria consegue superar todos esses empecilhos: consegue um trabalho bem remunerado, num bom ambiente, numa atividade que lhe dá prazer e tem tempo para cuidar de sua vida espiritual. É importante que fique claro que existem certas atividades e qualificações que são bastante úteis para apoiar o movimento da consciência de Krishna. Constantemente precisamos de advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, políticos, e muitas outras atividades. Se existirem devotos qualificados para dar esse suporte ao movimento, isso é altamente louvável. Não estamos aqui lutando contra o Sistema, mas estamos sim dando uma opção para aqueles que se sentem inclinados para o caminho alternativo.

Caminho Alternativo Consciente de Krishna

Vimos que a vida profissional moderna tende a uma crescente especialização e isso limita a atuação da pessoa nesse mundo. As universidades, ao invés de ampliarem o horizonte da pessoa, faz com que a consciência fique cada vez mais afunilada. Srila Prabhupada chegou a referir-se às universidades como “matadouros da alma”. Por outro lado, o caminho alternativo é muito mais holístico e rico em possibilidades. Nele abre-se um leque de inúmeras atividades e oportunidades. A pessoa não fica restrita a uma atividade específica. Ela vai lidar com muitas atividades distintas. Ela precisa ter conhecimentos de muitos aspectos da vida prática. Tem que estar muito desperta e atenta a tudo. Tem que saber administrar, organizar, produzir, vender, quer dizer, tem que ser “pau para toda obra”. Tem que ensinar, liderar, cozinhar, plantar, construir, cuidar das vacas. Tem que conhecer noções de medicina e terapias naturais, nutrição, agricultura orgânica, energias alternativas, conhecimento da natureza, etc. Deve conhecer a flora e fauna. Ter intimidade com os elementos e forças da Natureza. Ter intimidade com o firmamento. Ter noção das forças sutis que agem no indivíduo. Em suma, tornar-se uma pessoa prática para lidar com as coisas desse mundo e, ao mesmo tempo, cultivar a sensibilidade para também lidar com as energias mais sutis. A vida, sem dúvida, torna-se muito mais rica. O individuo fica muito mais completo, muito mais preparado para enfrentar as agruras e os desafios da vida. Quando tudo isso é somado a consciência de Krishna, aí então a vida passa ter um significado especial. Pode-se apreciar muito mais as energias desse mundo, todas derivadas de Krishna. Pode-se usar e manipular essas energias sem nenhum apego, pois “tudo pertence a Krishna”. O caminho alternativo é, portanto, totalmente compatível com a consciência de Krishna. É a vida natural, em contraste com a vida urbana artificial. Isso tudo requer, no entanto, como já mencionamos, bastante dedicação e preparo. Como adquirir esse preparo é o X do problema. Temos que encontrar um ambiente propício e pessoas preparadas que se disponham a passar suas experiências para os mais jovens. É necessário um longo caminho de treinamento e acompanhamento. É necessário que haja também um grande interesse pessoal, estar sempre “antenado”, buscando sempre novas fontes de informação e contatos. Sem essa disposição o candidato fatalmente irá desistir nos primeiros desafios.

Modelo Alternativo de Srila Prabhupada

Srila Prabhupada era bem alternativo. Ele não queria que seus discípulos se comprometessem muito com o Sistema. Ele não via com bons olhos o sistema de educação ocidental, com bases materialistas e direcionados para o consumismo. Alias, dentro da atual estrutura econômica mundial, a educação é direcionada para fazer da pessoa um “bom consumidor”. O mote “Vida simples e pensamento elevado”, adotado por Srila Prabhupada, resume bem a diferença de mentalidade entre a sociedade tecnológica consumista, egocêntrica e calcada no corpo, que é complicada e imediatista, em contaste com seu modelo alternativo de vida simples, baseado nos princípios da vida espiritual e centrado em Krishna. Srila Prabhupada tomou uma direção diametralmente oposta da tendência dominante da sociedade ocidental. Srila Prabhupada foi realmente revolucionário e os seus discípulos que se juntaram a sua instituição eram igualmente revolucionários e idealistas. Ele concebeu a idéia de um movimento alternativo mundial dedicado ao cultivo de consciência espiritual. Ele traçou as bases desse movimento: publicações, gurukula, ashrams, templos, comunidades rurais, etc. Ele deixou a tarefa de estabelecer o movimento para nós. É uma tarefa que exige dedicação e sacerdócio. Para o movimento de Prabhupada estabelecer-se aqui no Brasil é necessário que haja um grupo de devotos com dedicação exclusiva para essa missão. Eles devem ter fé inabalável no processo da consciência de Krishna e nas instruções dadas pelo fundador-acarya. O grupo, atualmente, é bastante reduzido e débil. Queremos ver chegar o dia em que esse grupo chegue a ficar forte e coeso. Onde estão os candidatos? Não se escondam. Vamos nos unir! Observamos que muitos já se dispuseram a dedicar-se a essa missão, mas devido aos problemas surgidos no caminho, “tiraram o time de campo”. Temos que entender que problemas sempre existirão. Temos, sim, que estar dispostos a solucioná-los, um a um. Outros colocam a culpa de seus problemas na instituição. Mas, a instituição somos nós! Nós que temos essa missão de nos unir e formar uma instituição à altura das idéias de Srila Prabhupada. Outros colocam a culpa na “liderança”, algo abstrato e generalizado. Esse é outro expediente de eximir-se da responsabilidade. Não quero aqui afirmar que não existem problemas de ordem pessoal, como incompetência, ingratidão, injustiça, irresponsabilidade, etc., mas isso tem em todo lugar, e temos que lidar com esses problemas com a convicção de que o bom senso, ao final, vai triunfar. Além disso o movimento é grande o bastante para se encontrar sempre um lugar em que possamos viver em harmonia e desempenhar nosso serviço com eficiência.

Mudança de Mentalidade

É fácil constatarmos que o jovem de hoje tem uma mentalidade bem diferente em relação ao jovem de vinte ou trinta anos atrás. Nessa época os jovens estavam ávidos por algo novo, que fosse diferente do modelo que o Sistema apresentava. Muitos não hesitaram em largar tudo o que faziam para se juntar à missão de Srila Prabhupada. Foi uma fase em que os templos estavam cheios de brahmacaris e brahmacarinis. Uma falha estratégica foi pensar que isso ia durar indefinidamente. Não foram tomadas providências sérias para treinarem os devotos nem ajustar os devotos a um modelo alternativo maduro. Muitos mudaram de ashrama, de brahmacari para grhastha, sem estarem preparados e sentiram na pele muitas dificuldades por causa disso. Muitas famílias desintegraram-se por falta de estabilidade doméstica mínima e falta de preparo. De uns anos para cá, a situação mudou radicalmente. Hoje em dia, o número de jovens que se juntam ao movimento é muito menor que antes. Muitos antigos brahmacaris casaram-se e trataram de resolver suas vidas independentemente, resultando com isso que os templos ficaram vazios e, inevitavelmente, sufocados pela pressão financeira. O yatra brasileiro custou um pouco para entender essa nova realidade e, por isso, vários projetos ficaram bastante debilitados. Afinal, estão surgindo várias fórmulas para se reverter esse quadro. Hoje em dia, a congregação tem estado muito mais ativa e responsável. Os devotos locais administram os respectivos projetos; não precisa vir ninguém de fora. As comunidades rurais estão mobilizando seus esforços para criarem suas próprias bases econômicas sustentáveis. A BBT, sem uma distribuição de livros em massa, está também encontrando seu próprio caminho. A missão de Srila Prabhupada está tornando-se cada vez mais madura e organizada. Muita coisa ainda está por fazer, mas tudo está se encaminhando para formarmos uma comunidade de devotos que atenda a todas as necessidades práticas da vida e possibilite o cultivo de um processo saudável de auto-realização.

O Jovem de Hoje

Depois do advento da informática, a cabeça dos jovens, e das pessoas em geral, mudou consideravelmente. A atração por essa maravilha tecnológica é irresistível. As novas gerações tem profunda intimidade com infinidades de softwares e hardwares complicadíssimos. Parece que essa tendência já vem arraigada na consciência desde o nascimento. A Internet cativa completamente a mente da pessoa. Os vídeo games fazem com que a pessoa fique inconsciente do mundo real e entre integralmente num outro mundo, o mundo da fantasia virtual. Passa-se a considerar esse mundo mais interessante que o meio ambiente natural. O jovem de hoje é muito mais materialista e influenciado pela mentalidade consumista. O marketing e a propaganda exploram ao máximo o culto da personalidade externa. Espiritualmente a pessoa fica vazia e a vida fica desprovida de sentido. Perdeu-se muito do idealismo e o ímpeto revolucionário de antes. Hoje em dia, a maioria aspira ajustar-se ao Sistema, pois é a única maneira de se ganhar dinheiro. Com dinheiro, pode-se comprar coisas e desfrutar das delicias da vida. Vida natural? Que coisa mais retrógrada! Coisa do passado. Vida natural significa “pernilongos e borrachudos”, muitos pensam. Vida natural é somente para “curtir”, mesmo assim, de vez em quando. Essa é, mais ou menos, a mentalidade dos jovens de hoje em dia. O conhecimento sobre os assuntos da Natureza é mínimo. Restringe-se aos documentários do Discovery. Não sabem distinguir uma goiabeira de uma mangueira. Em geral, o jovem de hoje não têm o mínimo interesse por essas coisas. Perdeu-se completamente a sintonia e a sensibilidade para se lidar com a Natureza. A Natureza é considerada algo inferior destinada exclusivamente para ser explorada para se ganhar dinheiro. Até mesmo o turismo ecológico, muito em moda hoje em dia, tem essa conotação. Onde está o idealismo dos jovens? Só se vê passividade e acomodação. Quando Srila Prabhupada começou seu movimento, milhares de jovens aderiram pois tratava-se de uma “revolução da consciência”. Para adquirir consciência espiritual o jovem estava pronto para abandonar todos os seus apegos. Por que é que agora é tão difícil encontrar pessoas com tal disposição?

Comunidades Rurais

Temos atualmente no Brasil várias comunidades rurais. Temos Nova Gokula, que tem características muito especiais: beleza natural, localização excelente, fácil acesso, relevo tremendamente favorável, e vários outros atributos. Nova Vrajadhama, em Caruaru, num excelente micro clima nas montanhas, perto de uma boa cidade e com várias possibilidades de produção agro-industrial. Vrajabhumi, em Teresópolis, embora sem a extensão de terra dos outros projetos citados, tem potencial turístico e é o local ideal para retiros espirituais e pregação de alto nível. Goura Vrindávana, em Paraty, situada numa região turística, tem considerável extensão de terras, um tremendo potencial de turismo ecológico e está especializando-se em desenvolver projetos agro-industriais sustentáveis. Temos noticias que um novo projeto no sul da Bahia está ainda em embrião mas, a qualquer momento poderá entrar em cena. Uma das características mais evidentes desses projetos é que se encontram esvaziados. Onde estão os devotos que sabem mexer com a terra e com as vacas? Onde estão os alternativos? Onde estão os idealistas? Onde estão aqueles que valorizam a vida natural? Será que todo mundo virou “urbanóide”? Precisamos encher esses projetos com devotos inteligentes, idealistas e realizadores. Termino aqui esse manifesto, esperando que ele encontre eco no coração de muitos devotos. Confio plenamente no potencial dos devotos e devotas desse movimento. Acontece que, no momento, as coisas estão um tanto dispersadas. É hora de acontecer uma revivificação. Todos aqueles que têm boa vontade devem se unir no esforço para estabelecer, de uma vez por todas, a missão de Srila Prabhupada em bases sólidas. Devem, contudo, estar atentos para não se deixarem afetar por aqueles que carecem de fé e possuem uma tendência crônica de criticar e ofender. Vamos “vestir a camisa”, pessoal!


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