UNIVERSIDADE--TEMPLO DO SABER OU MATADOURO DA ALMA?
(Manifesto Alternativo Parte III)

Purushatraya Swami

Uma das cartas que recebi, comentando sobre o “Manifesto”, foi de Alexandra, que é professora especializada em língua inglesa, e esposa do Cristiano, ambos freqüentadores do templo do Rio. Ela afirma que sem dúvida apóia as idéias alternativas do artigo, mas acha que fui muito duro nas considerações sobre o ensino universitário. “Não concordo quando o senhor diz que o que se aprende em uma universidade seja supérfluo”, “Não vejo a universidade como uma grande ‘vilã’ do sistema”, “Não acho que universidades sejam matadouros de almas”, escreveu ela. Cita também o depoimento de um jovem que estava presente numa reunião de nama-hatta onde foi discutido o “Manifesto Alternativo”. O jovem lamentava-se dizendo que estudava psicologia quando conheceu o movimento, mas largou, pois algum devoto disse que o curso era ‘maya’. Alexandra, então, afirma que acredita que “cursar ou não cursar uma universidade deve ser uma decisão pessoal”, o que, penso, ninguém vai discordar.

Parece-me que no caso do jovem arrependido houve uma certa precipitação por parte dele. Se ele ficasse convencido de que o caminho que estava seguindo era maya e se tivesse tornado um monge, isso seria perfeito. Ele poderia estar agora bem situado e não teria nenhum prejuízo. Haveria, inclusive, um “up-grade” em sua vida. Mas, se simplesmente largou a faculdade e agora se lamenta, isso é um sinal de que não estava muito bem convicto e inspirado pelo curso. Nesse caso, ele poderá tentar outra vez, se é que agora está mais convencido. Por outro lado, o devoto que o aconselhou a desligar-se da faculdade, pode estar incluído numa dessas três hipóteses: a) teve uma experiência pessoal anterior que o levou à conclusão de que “universidade é maya”; b) não teve tal experiência, mas possuía argumentos sólidos sobre o assunto; ou c) tinha somente argumentos superficiais sobre o assunto. Se ele é identificado ao terceiro caso, não deveria abrir a boca, dar palpites e muito menos aconselhar. No caso de ser identificado em um dos dois primeiros casos, ele deveria ter dado muitos argumentos convincentes para não deixar margem a dúvidas. De qualquer forma, aconselha-se que uma decisão dessa natureza não deve ser tomada sem a consulta de outras pessoas qualificadas. A meu ver esse é um exemplo de uma decisão tomada emocionalmente. A chance de dar tudo certo fica muito reduzida. Diante desse quadro, o que posso dizer é que o lado positivo disso tudo é que esse fato pode servir de lição para esse jovem e para todos nós, pois sempre teremos que tomar muitas decisões ao longo da vida e essas decisões devem tomadas com convicção.

Quanto à questão de que universidade é maya ou não, isso vai depender, principalmente, da intenção e do foco da parte do estudante. Tratando o tema filosoficamente, se a pessoa identifica-se com a profissão que exerce e o status social que ela representa, em suma, se a alma passa a identificar-se com um atributo corpóreo, isso é, definitivamente, a própria essência de maya. Se o estudante vai simplesmente ser treinado para ganhar dinheiro com sua profissão e desfrutar do prestígio de ter essa qualificação profissional, isso certamente é maya. Se um psicólogo, por exemplo, for treinado a orientar seus pacientes para livrarem-se de qualquer sentimento de culpa que restrinja o desfrute sensual, isso também é maya. Se a universidade tem uma orientação materialista, oportunista,consumista e hedonista, como normalmente vemos, ela será certamente um matadouro da alma. Pode ser bem sofisticada, atualizada e de alto nível, mas se obscurece a condição espiritual original da pessoa e enfatiza a condição corpórea, fica caracterizada como tal. “Matadouro da alma” é certamente um termo forte, mas é uma maneira para abrir os olhos daqueles que aspiram fortalecer, e não debilitar, sua própria alma.

Tomemos o caso das faculdades de psicologia. Salvo raras e louváveis exceções, a maioria delas tem como base de seu curso o ensino das técnicas da psicanálise. A psicanálise é, hoje em dia, um modelo considerado ultrapassado por muitos pensadores competentes, mas ainda tem um público fiel e conserva a fama e o mito. Freud, o idealizador da psicanálise, foi sem dúvida um gênio, pois foi o pioneiro no Ocidente da exploração do inconsciente e abriu o caminho para todos os cientistas da psique que se seguiram. Contudo, seu sistema, baseado principalmente na teoria da libido, no complexo de édipo, no inconsciente instintivo, na rigidez da trama ‘ego-id-superego’, é construído dentro do paradigma mecanicista, reducionista, determinista e é, sobretudo, totalmente materialista e ateísta, que deve ser peremptoriamente rejeitado. Ele não leva em consideração as potencialidades da alma individual. Qualquer manifestação de espiritualidade é totalmente rechaçada. “Religião é um estado de neurose”, dizia ele. Portanto, uma faculdade que ensina esses princípios materialistas, que nega a alma, não pode ser considerada de outra forma a não ser um “matadouro da alma”.

Um devoto que estuda filosofia na USP, Universidade de São Paulo, estava descrevendo-me a situação de seu departamento. A USP tem a fama de ser a universidade “top” no Brasil. Especialmente, o departamento de filosofia é tido por muitos como o “templo do saber”. Muitos “medalhões” da intelligentzia brasileira circulam em seus corredores. No entanto, a orientação do departamento de filosofia é totalmente materialista e ateística. A pregação contra a espiritualidade é ostensiva. Os poucos professores que são religiosos são vistos com desdém. Os alunos são totalmente influenciados por essa mentalidade. (Hadai Pandita Prabhu que fez o mestrado no departamento de sânscrito e agora prepara-se para o doutorado, é obrigado a ocultar sua condição de devoto, pois seria inevitavelmente boicotado). é sabido que esse departamento de filosofia tem sido, por varias décadas, totalmente controlado pela orientação marxista, que, advoga, entre outras coisas, o uso de qualquer método amoral ou imoral para a conquista do poder. A praxis socialista é a “religião que deve matar o cristianismo”, dizia Gramsci, o militante italiano que morreu na prisão facista e “profeta” da teoria de que “os fins justificam os meios”. Ele é um dos preferidos teóricos marxistas da intelectualidade brasileira. é parte da estratégia da ação revolucionária influenciar a classe intelectual. Várias gerações de intelectuais já foram contaminadas com essas doutrinas ateísticas, materialistas e de ética duvidosa. Com esse quadro, podemos ou não podemos considerar essa faculdade como “matadouro de almas”?

Existe, contudo, muitos cursos universitários que podemos considerar como “light”, como por exemplo, serviço social, letras, línguas antigas, pedagogia, turismo, geografia, matemática, química, farmácia, fisioterapia, arquitetura, desenho industrial, etc. Mas, outros, apesar de fornecer conhecimento secular útil, podem sutilmente influenciar a consciência do estudante e devem ser considerados altamente perniciosos. é um fato que grande número dos médicos são ateus. Por que? Certamente existem razões para isso. Ficam tão concentrados na carne que negligenciam o espírito. O médico tem, geralmente, a mentalidade de controlar a natureza, e por isso, sente-se, de certa forma, superior aos outros humanos. Eles podem ser doutores em doenças, mas geralmente não o são em saúde. é muito comum ver médicos que não conseguem gerenciar adequadamente nem a sua própria saúde. São também vítimas de um sistema doente. Desde que a teoria da evolução de Darwin foi adotada oficialmente pelos meios acadêmicos, a mentalidade da classe científica, e em extensão, da sociedade humana em geral, é fundamentada na exploração e manipulação a natureza. (A teoria da evolução das espécies de Darwin é um blefe que passou a ser considerado “cientifico” por falta de algo que a substitua. Ela é muito bem aceita no meio cientifico porque descarta o papel de Deus, dando, assim, luz verde para a exploração irrestrita da natureza pelo “ser superior”, o homem).

A agronomia convencional, baseada na prática da monocultura, está fundamentada na mentalidade de exploração e transformação da natureza, tendo como meta o aumento da produção agrícola. Para isso,usa técnicas anti-naturais de manejo do solo, insumos e pesticidas químicos, agrotóxicos, sementes híbridas, transgênicos, etc. A glória desse sistema é um aumento imediato de produtividade agrícola, mas o preço que é pago por isso é bastante alto: desequilíbrios ecológicos, pragas, desertificação, desmatamentos, envenenamentos e contaminações ambientais irreversíveis. E o pior é que não conseguem extinguir a fome do mundo e a pobreza continua aumentando.

O ensino de economia adota modelos em que o lucro é praticamente o único parâmetro. A idéia subjacente é da prevalência do mais forte sobre o mais fraco. Isso cada vez mais acentua a diferença entre ricos e pobres e está empobrecendo a raça humana, com o privilegio de poucos. Hoje em dia, todos os governos, sem exceção, consideram a economia com a maior prioridade, acima do bem estar dos cidadãos. Os números passam a ter mais importância que os seres vivos.

A biologia quer manipular as energias dos seres vivos. Para conseguir isso, não hesita em alienar-se dos princípios éticos e espirituais. Anos atrás, tive a oportunidade de participar do congresso da síntese de ciência e religião, promovido pelo Instituto Bhaktivedanta, em Calcutá. Nessa ocasião, um importante cientista G.A. Bendford, que teve a oportunidade de dialogar-se com Srila Prabhupada, alertava sobre os perigos da engenharia genética. Ele afirmava que a religião deveria ficar muito alerta para coibir os abusos de biólogos amorais e irresponsáveis que fazem experiências genéticas com seres humanos, sem nenhuma noção de suas conseqüências.

Nossa lista pode ir longe. O que dizer daqueles que estudam e estudam para tornarem-se cientistas e trabalharem para a indústria bélica? (Quase a metade da classe científica está envolvida nisso). E aqueles que pesquisam a inteligência artificial, como os cientistas do famoso MIT de Boston?...

Um estudante espiritualista, com sólida base filosófica, deve ter elementos para separar o “joio do trigo”. (Imagem bíblica: Joio é uma erva daninha que cresce na plantação junto com o trigo). Ele deve detectar o que é conhecimento válido e o que é o engodo do sistema. Deve estar bem claro em sua mente que, de maneira geral, o sistema educacional está a serviço do paradigma da mentalidade materialista, oportunista, consumista, exploradora e hedonista. Um devoto não deve aceitar passiva e inocentemente essa mentalidade, que é introduzida na consciência, não de forma grosseira, mas subliminarmente. Os próprios professores são vítimas desse sistema educacional. Fora suas especialidades técnicas, eles não têm, em geral, nada mais construtivo para ensinar. Podem ser muito qualificados em suas áreas de conhecimento secular, mas em questões espirituais e éticas são, na maioria dos casos, exemplos negativos. Um estudante devoto deve, portanto, ter olhos bem abertos e intelecto bem aguçado para detectar a presença, mesmo em forma sutil, da mentalidade antagônica à consciência de Krishna, e assim não se deixar contaminar.

Outro problema que encontramos em muitas universidades é o fato de que é um terreno fértil para a degradação. Um jovem estava comentando comigo que vários de seus colegas do segundo grau, que eram rapazes e moças comportados e ajuizados, assim que entraram para a faculdade tornaram-se pessoas degradadas, com trânsito livre entre drogas e sexo. Esse comportamento, geralmente, não é explicito. Pode, inclusive, passar despercebido por quem não está ligado na coisa. Outras vezes é acintoso e evidente. Isso constitui também uma ameaça para um estudante devoto.

O caso do jovem ex-futuro-psicólogo, comentado no inicio desse artigo, é bem sintomático entre jovens. Muitas vezes o jovem está cursando uma universidade mas não está empenhado ou mesmo não está convencido de que esta poderá ser sua carreira para toda a vida. Muitas vezes, ele cursa por cursar. Só para dar satisfação para os pais. Nesse caso, ele deveria considerar as outras alternativas. Isso é exatamente o que nós queremos propor.

A questão da idade também não é um empecilho para a formação profissional. Lokasakshi Prabhu, por exemplo, que é um dos pioneiros do movimento no Brasil, acabou de terminar o curso de filosofia na Universidade Federal de Juiz de Fora e agora está no caminho do mestrado. Com mais de cinqüenta anos de idade, ele diz que cursar a universidade agora é muito mais proveitoso. A pessoa sabe exatamente o que quer da vida. Advaya Prabhu, também, aos cinqüenta anos está começando seu curso de Direito. Ele já está a meio caminho andado, pois já tem larga vivência em assuntos jurídicos e sabe exatamente a especialização que vai se dedicar. Portanto, a menos que não haja dúvidas quanto ao caminho profissional que vai seguir, nossa sugestão é que o jovem adote um caminho espiritual, holístico e alternativo para formar uma sólida base de caráter e compreensão espiritual da própria pessoa e do mundo.

Depois de tudo isso que foi dito, queremos deixar claro que não é nossa intenção desestabilizar a vida dos devotos que estão cursando cursos universitários. Queremos, sim, alertar quanto ao perigo da influência constante da mentalidade materialista, consumista e hedonista, que impera no sistema em geral e, particularmente, na universidade. Essa mentalidade pode matar nossa alma. Se isso ocorrer, nossa vida está desperdiçada.

Sempre que somos consultados por jovens que precisam de conselhos para decidir o que poderia ser o melhor no momento para as suas vidas, procuramos julgar a situação particular do caso. Cada caso é um caso. Algumas vezes consideramos que o caminho universitário é apropriado. Em outras, fica evidente que o melhor é o caminho alternativo monástico.

Estamos, no momento, empenhados em desenvolver um programa de treinamento e acompanhamento de jovens com a vocação alternativa. Queremos prestar esse serviço à comunidade Vaishnava. Estamos seriamente preparando a comunidade Goura Vrindávana, de Paraty, para sediar esse tipo de iniciativa. Os interessados devem manifestar-se, a fim de discutirmos os passos a serem dados.

Recebi outras cartas comentando o artigo “Manifesto Alternativo”, como uma de Govardhana-dhari, do Rio de janeiro. Basicamente, sua argumentação já foi respondida na segunda parte do Manifesto, “Engrossando o Leite” e também nesse artigo. Ele afirma que ainda existe idealismo entre os jovens de hoje. Queremos, portanto, encontrar esses jovens. Onde estão eles? Por favor, apareçam. Não se escondam. Tomem coragem! Apresentem-se! Vamos juntos resistir à influência das forças materialistas perversas que estão transformando esse mundo num inferno. Não vamos desperdiçar nossas vidas. Vamos nos unir para construir um modelo digno de ser vivido por aqueles que ainda não perderam a sensibilidade, a sanidade espiritual e a esperança. Temos que encontrar essas pessoas.

Srila Prabhupada ki jay!


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