(Antes de começar essa terceira parte do ensaio, quero deixar claro que às vezes uso palavras um pouco duras. Não tenho, no entanto, nenhuma intenção de ferir ninguém ou rebaixar ninguém. Um leitor ficou um pouco incomodado com a minha colocação do termo “free-lancer”. Talvez haja outros casos de pessoas que ficaram incomodadas mas não se manifestaram. Gostaria de me desculpar publicamente.)
Despreparo para a vida
É um fato que, hoje em dia, quem está disposto a adotar a vida monástica e alternativa é uma rara exceção à regra geral. Encontrar jovens com vocação para a vida espiritual é como no garimpo, tentando encontrar pedras preciosas no meio do cascalho.
Em geral, os jovens estão completamente despreparados para vida. Tanto em casa, como na escola, eles não recebem a devida orientação. Os pais, de um modo geral, querem a todo custo que seus filhos vão para as universidades. Dão facilidades para os filhos e até sacrificam-se para que isso se realize. O investimento é, geralmente, bastante alto. O ingresso numa boa universidade é difícil e exige muito empenho. Na universidade, se o curso é de bom nível, o estudante tem que estudar muito, tem que pesquisar muito e escrever longas dissertações. O que geralmente acontece é que todo o tempo vago fora dos estudos é ocupado com coisas inúteis e até prejudiciais: ociosidade, papo furado, futilidades, intoxicação, bebedeiras, curtição e farras. É raro encontrar um jovem universitário dedicado a coisas construtivas e elevadas fora do período de estudo. Enquanto isso, os barzinhos estão sempre lotados e galões de chope são consumidos, para não dizer dos embalos movidos a maconhas e cocaínas. O pessoal troca a noite pelo dia. O argumento de sempre é que “deve se ter uma válvula de escape, senão ninguém agüenta..". O resultado é que jovem sai da universidade sem nenhum preparo mais sério para sua entrada na fase madura da vida. Ao invés disso, sai da universidade com um canudo na mão, mas continua sendo uma pessoa completamente despreparada para vida, sem ter um caráter formado e integro e cheio de péssimos hábitos e contaminações. Em suma, uma pessoa estragada.
Dá-se mais importância ao ensino acadêmico do que ao preparo do jovem como pessoa. Se isso ocorre com os estudiosos, imaginem com os relapsos! Para esses, o que se reserva é uma vida caótica. Situação igualmente difícil é daqueles que, no decorrer do curso, constatam que a escolha do curso foi equivocada, que não tem vocação para a carreira escolhida, nem interesse pelo objeto de seu estudo. Ou então, estão na universidade exclusivamente devido à pressão dos pais. Esses completam o curso, (quando completam...) só para cumprir com essa obrigação e satisfazer os pais. Para esses, o despreparo é dobrado.
Adolescência prolongada
Um psicólogo de renome afirmou que uma das doenças mais comuns hoje em dia é a “adolescência prolongada”. O jovem entra na idade madura, mas ainda se comporta como um adolescente. Apesar do corpo adulto, o nível de consciência não é compatível com a idade biológica. Age irresponsavelmente, sem refletir nas conseqüências de seus atos. Simplesmente vai vivendo sem fazer nenhum planejamento sério para a vida. É incapacitado para trabalhos mais sérios e esquiva-se de todo jeito em assumir qualquer tipo de responsabilidade. A coisa se complica quando, devido à liberdade sexual dos dias de hoje, aparecem bebês no cenário. O número de mães solteiras e papais irresponsáveis é assustador. Conseqüentemente, o despreparo para se educar essas crianças é total. Qual será o futuro de uma criança nascida numa situação caótica como essa? Com a palavra, os assistentes sociais, pedagogos, psicólogos e educadores...
Portanto, sem querer generalizar, pois existem os louváveis casos dos jovens que assumem uma postura madura diante da vida, vemos que a universidade não é a única solução definitiva para a formação dos jovens. O papel básico da universidade é dar conhecimentos gerais sobre assuntos específicos e o jargão técnico da ciência estudada. Dá também um documento legal que rotula a pessoa numa profissão formal. Com isso o jovem poderá concorrer no mercado de trabalho. Ele é assim programado para atuar no modelo dessa sociedade de consumo e se tornar um bom consumidor. Como se sabe, cada vez mais, os interesses comerciais estão presentes nas universidades ditando a linha de programação da formação dos estudantes.
Uma minoria ínfima dos formados consegue sobressair-se em suas profissões. A grande maioria tem desempenho medíocre. Estão meramente programados e adaptados para se enquadrar à estrutura do sistema e sobreviver.
Não queremos aqui, desmerecer totalmente o papel das universidades. Para aqueles que querem se ajustar ao modelo dessa sociedade, esse é o caminho. Pode ser, dependendo do caso, um caminho honroso. Mas, qual é a opção para aqueles que não desejam nem se sentem inclinados a se enquadrarem a esse modelo?
Shudras com diplomas
O processo da consciência de Krishna se destina à formação de brahmanas. Um brahmana é uma pessoa que é plenamente consciente e independente. Sabe exatamente qual é o propósito da vida e está sempre dedicado ao seu aperfeiçoamento pessoal e pronto a ensinar aos outros. Um brahmana genuíno não aceita um patrão. Não tem sentido trabalhar como empregado para uma pessoa muito mais desqualificada espiritualmente do que ele, um patrão que está preocupado em enriquecer a custa do trabalho de outros. Esse é um ponto filosófico muito sério. Trabalhar por trabalhar, só pelo dinheiro, definitivamente não é o padrão brahmínico. Temos que ajustar nossa vida em concordância com a filosofia que seguimos. A vida do brahmana está nas mãos de Deus. Esse sim, é seu patrão.
No modelo vigente da sociedade é normal que as pessoas com terceiro grau sujeitem-se aos caprichos de patrões. São shudras com diplomas. Muitos trabalham num contexto impessoal, em companhias muito grandes, sociedades anônimas, diretamente para o Estado ou em companhias estatais, ou em outras estruturas empregatícias onde não se sente a figura de um patrão enriquecendo a custa dos empregados. Mas, no fundo é a mesma coisa. Pode-se argumentar que em profissões liberais trabalha-se por conta própria. Certo, mas sempre existe a possibilidade de estar se vendendo aos interesses de outros. Por exemplo: um advogado defende os interesses de seus clientes em causas muitas vezes de ética duvidosa; um arquiteto tem que se sujeitar às vaidades dos seus clientes; um professor é obrigado a seguir ao currículo estabelecido pela escola—não pode ensinar aquilo que ele pensa ser o melhor para seus alunos, e assim por diante. No final das contas, tudo é a mesma coisa—a pessoa, mesmo que tenha muita coisa para oferecer, tem que se sujeitar aos caprichos daqueles que estão lhe pagando o seu salário. O grande desafio e a grande tarefa da vida dos devotos é poder organizar suas vidas de forma a estar fora desse compromisso empregatício de patrão-assalariado com pessoas materialistas. Por isso enfatizamos o caminho alternativo. Isso, para um devoto, é o ideal, pois assim a vida prática fica em total consonância com a sua visão filosófica na perspectiva espiritual. Isso vai valoriza completamente a vida. Não podemos imaginar Srila Prabhupada, por exemplo, sendo, durante sua juventude e vida familiar, um shudra com diploma. Certamente ele preferiria morrer a se submeter a tal coisa. Sei que esse é um assunto um tanto delicado, polêmico e sujeito a muitas variantes, mas é bom termos a noção clara do que é o ideal para nossa vida.
Muitas vezes, jovens sem a capacidade de encarar a vida no sistema juntam-se àqueles que estão no caminho alternativo. Estes, por terem feito uma opção racional para suas vidas, atuam com muita motivação e empenho. A experiência nos mostra que os que tentam o caminho alternativo por falta de opção são tomados facilmente pela letargia, perdem facilmente o gosto do que fazem e esquivam-se a todo custo de assumir qualquer tipo de responsabilidade. Embora seu corpo esteja presente no ambiente alternativo, sua mente está longe, atraída pelos “encantos” urbanos. Essa situação é insustentável. Isso se deve a uma carência de referencial. O que fazer com eles? Serão perdedores em todas as situações? É triste constatar isso. O pior é que essa é uma situação bastante comum.
O jovem que escolher o caminho alternativo deve desenvolver uma confiança muito grande em si e estar pronto para superar todos os obstáculos que aparecerão no caminho. Deve estar convicto da decisão tomada e nunca se queixar nem se lamentar, achando que estaria melhor em outra situação. Tudo isso implica em ser uma pessoa psicologicamente sã.
Frustração, nunca!
Darei aqui meu exemplo pessoal. Como mencionei anteriormente, vivi a fase na juventude de “só sei o que não quero mas não sei o que quero”. Uma fase de muitas incertezas. De treze aos quatorze anos, fiz a escolha de minha carreira “para toda a vida”. Um amigo da família tinha se formado na marinha e estava fazendo a viagem de final de curso pelo mundo afora. Isso me encantou. Outro motivo foi querer me desvencilhar do regime disciplinar da casa de meus pais. Era o típico adolescente rebelde. Assim que terminei o ginasial, passei no difícil concurso para o Colégio Naval, em Angra dos Reis. Desde o princípio, pude perceber que não tinha vocação militar, mas mesmo assim segui em frente. Completando o científico, entrei automaticamente para o curso superior na Escola Naval, na ilha de Villegagnon, no Rio de Janeiro. Depois de quatro anos de estudos bem puxados, formei-me oficial de marinha e fiz a tal da viagem que sonhara aos treze anos. Ao voltar da viagem e começar efetivamente minha carreira, resolvi dar baixa da carreira militar, antes que me envolvesse mais e fosse cada vez mais difícil para sair. O que iria fazer? Não sabia... Estava largando o certo pelo incerto. Dava um friozinho na barriga... Nessa fase, tomei a resolução de que nunca iria me lamentar da decisão tomada e alimentei confiança em mim de que, em qualquer caminho que trilhasse, não seria um perdedor. Aproveitando os créditos de matérias já cursadas, completei um curso de administração de empresas. Consegui um cobiçado emprego numa multi-nacional. Nova carreira garantida surgiu em minha frente. Agora, com terno e gravatas importadas, meu ambiente era o meio empresarial da Avenida Paulista, em São Paulo. Não durou muito. A constatação da futilidade e do caráter ilusório e hipócrita da vida materialista trouxe-me uma insatisfação profunda. Definitivamente não estava talhado a me enquadrar no sistema. Novamente, deixei o certo pelo incerto. Passei num vestibular para Arquitetura, comecei o curso, mas resolvi voltar para minha cidade, Rio de Janeiro. Fiz uma sociedade com um amigo e comecei um novo projeto, desta vez mais ligado à vida natural. Tínhamos uma plantação de plantas ornamentais e fazíamos projetos de paisagismo. Entrei para a Escola de Belas Artes da Universidade Federal. Larguei o curso no meio. Nessa fase, despertou em mim um interesse muito grande pelos assuntos espirituais. Lia tudo que aparecia em minha frente. Buscava livros raros nos sebos do Rio e em São Paulo. Buscava sinceramente um caminho espiritual para seguir. Procurei ali e acolá, mas nada me convencia de verdade. Depois de algum tempo de busca, decidi esquecer a busca espiritual e concentrar-me no caminho material. Logo depois de ter feito essa decisão, Krishna apareceu em minha vida: o templo Hare Krishna estabeleceu-se na rua em que morava. Comprei e li imediatamente o Bhagavad-gita de Srila Prabhupada e isso acendeu novamente a atração para a vida espiritual. Vi-me então em meio a um impasse: Justo agora que havia me decidido e estava me preparando para ir fundo no caminho material!... Teria de escolher entre vida espiritual e vida material. Por sorte, esse conflito não durou muito. Consegui resolve-lo com a seguinte proposição dialética. Pensei assim: “Sempre tive atração pela vida monástica e agora se apresentou uma oportunidade real. Se eu não tiver essa experiência agora, que garantia posso ter de não ficar frustrado no futuro por ter desperdiçado a oportunidade? Na verdade, frustração é um sentimento terrível. É a última coisa que quero para mim.” Pensando assim, resolvi experimentar o processo da consciência de Krishna. “Se não der certo”, pensava eu, “não será a primeira vez que vou ter que começar tudo de novo...” Pelo visto, a coisa deu certo, pois estou “experimentando” por mais de trinta anos... E escapei também da frustração.
Espírito empreendedor
Esse é o ponto principal de nosso ensaio. Estamos hoje trabalhando com jovens em nossa comunidade sustentável Goura Vrindávana, em Paraty, e temos tido ótimos resultados. Estamos incutindo nos jovens o desejo e o empenho em desenvolver suas potencialidades, principalmente o espírito empreendedor. Espírito empreendedor compreende em desenvolver-se na capacidade de visualizar e antever as coisas e agir de forma a atingir as metas propostas. O espírito empreendedor amplia a capacidade de realização. Desenvolve a criatividade. É o espírito empreendedor que impulsiona os projetos. Aquele que desenvolve um espírito empreendedor, torna-se um líder. Considero que mais importante do que ter alguma graduação acadêmica é desenvolver o espírito empreendedor. Um empresário não precisa de ter grau universitário. Mas ele tem as idéias e a disposição de fazer as coisas acontecerem. Quando precisa do trabalho de profissionais qualificados, ele os contrata. Um profissional com grau universitário sem espírito empreendedor será sempre um empregado. Só sabe fazer as coisas referentes à sua especialidade e precisa alguém para lhe mandar fazer as coisas.
Em psicologia e gestão administrativa, fala-se de pessoas proativas e reativas. A maioria das pessoas é reativa, isto é, suas ações são reações às circunstancias e estímulos externos. Esperam as coisas acontecerem para então agir ou têm que ser impelidas para a ação. Alguém tem que planejar, organizar, instruir, controlar o que ela tem para fazer. Precisam de uma estrutura já feita para se encaixarem. Não têm a iniciativa nem a criatividade para criarem sua própria estrutura. Geralmente, colocam a culpa nos outros ou nas circunstancias, para seus fracassos. Muitas vezes, num grupo, uma pessoa tem uma boa idéia, mas não discute com os outros para não ter que assumir a responsabilidade e se encarregar daquela missão. O reativo tende a cair na passividade e acomodação. Está mais interessado em aumentar sua taxa de conforto pessoal do que arriscar fazer algo grande para seu próprio benefício e o benefício da comunidade.
Já o proativo assume a responsabilidade pelos seus erros, aprende com eles e segue tentando estabelecer seu esquema de ação. Não depende exclusivamente dos outros. Ele interage com as outras pessoas e persegue suas metas com muita determinação. É uma locomotiva que sai arrastando muitos vagões sem propulsão própria. Uma pesquisa cientifica séria apontou que as pessoas mais felizes são as proativas. Muitas delas tiveram que lutar muito em suas vidas para conseguir seus objetivos, mas realizam que essa luta valeu, pois isso lhes trouxe uma satisfação interna muito grande.
Exemplo: o melhor mestre
Para se desenvolver a capacidade empreendedora, o jovem tem que conviver com pessoas que desenvolveram tal capacidade. Temos observado muitos casos de jovens que vêm de boas famílias, têm boa índole, são inteligentes, tiveram boa educação e bom preparo acadêmico básico, mas não possuem esse espírito empreendedor. Não tomam decisões. Não têm iniciativas. Ficam esperando que as coisas aconteçam para assim se encaixarem no que já está estabelecido. Esquivam-se de assumir responsabilidades maiores. Vemos que não lhes faltam capacidades, mas falta-lhes o espírito empreendedor.
Por que isso ocorre? Minha conclusão é que lhes falta um referencial. Esse referencial deve vir de casa, principalmente da figura do pai. Um caso típico é de um pai que teve um bom emprego burocrático, que comprou um ótimo apartamento já pronto, numa boa localização, que mobilhou-o de forma a enaltecer o conforto, que pagou colégios caros para o filho, que se aposentou na meia idade e que agora curte uma vida relaxada, sem pressões das obrigações do trabalho, que pode, inclusive, dormir até um pouco mais tarde e, para não fugir à regra, que despende diariamente algumas horas passivamente em frente da televisão. O filho, embora bem educado e com boa base moral, carece do referencial de uma pessoa proativa. Muitas vezes os pais se sacrificam para dar a melhor educação aos filhos e ajudam, inclusive, a deslanchar suas carreiras profissionais, e assim ficam com a consciência tranqüila do dever cumprido. Mas faltou o mais importante: transmitir o referencial do espírito empreendedor. Essa informação não ficou incorporada, o jovem não captou essa imagem em sua consciência. Ele será sempre dependente de alguma estrutura já feita para poder se encaixar. Ele prefere se sujeitar à mediocridade do sistema a ter que arriscar a uma vida incerta, mas rica em possibilidades auspiciosas. Não tem o ímpeto de desbravar novos horizontes e fazer as coisas acontecerem. A situação se complica quando o pai está desempregado ou tem um simples emprego medíocre.
No meu caso pessoal, tive e tenho o exemplo de meu pai. Ele nunca teve um empregão. Formou-se em medicina, mas optou
pelo magistério. Era um competente como professor, mas teve que lutar tremendamente para manter o padrão da casa e
educar os seis filhos. A imagem dele que ficou para mim foi que ele era uma pessoa tremendamente dedicada ao que fazia.
Trabalhou duro, até mesmo em idade avançada. Durante as férias escolares, ao invés de relaxar e curtir, ele, normalmente,
se ocupava intensamente na manutenção da grande casa que vivíamos. Às vezes era a reforma do jardim, outras vezes a pintura
da casa e outras reformas. Era também bastante religioso. Outra coisa que ficou gravada em mim foi sua concentração na
leitura. Lia diariamente, por horas. Tudo que faço é simplesmente seguir essas impressões que ficaram registradas em mim
e executar minha própria missão pessoal. Tudo fica mais fácil e natural quando essas referências proativas estão
interiorizadas na pessoa.
Continua
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